Quantos sacos de cimento há em ti, Recife?
Quantos sacos de cimento há em ti, Recife?
Quiçá meu coração não fique concreto
Quiçá meu coração não vire cimento.
Miró de Muribeca
Pelas minhas andanças, há um tempo, por Recife, infelizmente, não tive a oportunidade de conhecer pessoalmente um poeta pernambucano incrível, o Miró de Muribeca, que perambula pelas ruas da cidade recitando seus poemas viscerais, porém, de forma muito particular e único.
Com seu “alegrismo poético”, Miró, um artista da palavra, corpo e voz, sempre intenso em sua expressividade, é capaz de “colorir a tragédia e alçar voos de celebração à vida". Como bem diz Armando Neto, jornalista, escritor e colunista convidado do EntreLinha, o poeta “faz com que a palavra deixe o papel e, literalmente, esteja inserida na cidade. (…) as poesias estão ladeadas pelo Recife, que se incorpora aos textos, criando-se uma dinâmica orgânica entre artista, espaço e percepção (não só do artista como também de quem contempla a obra)".
Meu lado Greenpeace
Por falta de árvores
O beija-flor invade meu apartamento
E beija as flores artificiais
Que minha mãe comprou na feira
Por falta de almoço
Dona Zefa enfia a cara no lixo
E come qualquer merda
Sem a menor cerimônia
E tempo de validade
Por falta de não ter o que fazer
Baixaram o preço da passagem
Pra cinco centavos a menos
E eu
Perdi a chance
De escrever um grande poema
Era só voltar ao beija-flor
Segundo o pesquisador André Telles do Rosário, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a performance poética de Miró denominou-se de corpoeticidade (corpo, poética e cidade). Entre suas poesias e crônicas, produzidas desde 1985, estão: “Quem Descobriu Azul Anil” (1985), “Ilusão de Ética” (1993), “Entrando Pra Fora e Saindo Pra Dentro” (1995), “São Paulo Eu Te Amo Mesmo Andando de Ônibus” (2001), “Poemas Pra Sentir Tesão ou Não” (2002), “Pra Não Dizer Que Não Falei de Flúor”(2004), “DizCrição” (2012), “Miró Até Agora” (2013) “eaDeus” (2015).
A poesia marginal e textos imagéticos do poeta é transcodificada para a linguagem dos quadrinhos pelas mãos dos ilustradores Raoni Assis, Ayodê França, Flavão, Shiko e Christiano Mascaro, em que o próprio Miró, com curadoria de Raoni e Sheila de Oliveira, selecionou 30 poemas para compor o novo projeto titulado “Tô Miró”, assinada pela Casa do Cachorro Preto.
“A força da oralidade na poesia de Miró já é bem conhecida. A HQ amplia na imagem, não somente ilustrativa, seu texto. Amplia o sentido, mas amplia na aproximação do texto com o que ele diz”, menciona Raoni Assis em entrevista para Revista Grito. No passado, Recife foi pólo da produção de quadrinhos e a expectativa, hoje, é de que haja uma retomada desse cenário, de forma mais expressiva.

Erica Ribeiro
Comunicóloga, escritora, cineasta e cofundadora do EntreLinha e Coletivo Pausa. É cinéfila, amante das artes e da literatura.