A tal lamparina

Desenho

Por Vinicious Appolari, artista visual, ilustrador e mestre em Artes Visuais pela Unicamp

Qual o valor da vida, sem a arte e o amor? Deve ser menos preciosa que quanto os outros homens anunciam, em razão de ser tão irrelevante sem essas duas outras coisas que nem coisas são. Confesso que é difícil escrever sobre não coisas, e sou um pouco preguiçoso, vamos imaginar que são coisas materiais de fato então, só nos resta descobrir que coisas são.

A vida é algo corriqueiro, comum, mas tem seu charme peculiar, pois é nela que os acontecimentos reacontecem entre todos os atritos com a matéria. Parece-me com uma tela de pintura em branco que nos dão em uma loja de materiais artísticos antiga, daquelas que ainda usam lamparinas. Uma tela vazia e apática como qualquer outra das centenas, encostadas em um canto desimportante e empoeirado no estoque.

A arte, ela sim tem uma grandeza bem clara, um suicídio enquanto uma performance artística seria algo tão memorável e marcaria tantas outras telas quanto um balde de tinta desgovernado rolando pelas escadarias. 

E o amor? Onde o amor está nessa história? Está na tela em branco? Está no balde de tinta? Não sei, mas acho que se fossem assim tão simples, tudo já estaria resolvido e esse texto não teria razão de seguir à diante. Mesmo assim, também me sentiria desonesto em abstê-lo, já que falávamos dessas três coisas e agora estamos tão próximos do final, façamos um último esforço para encontrá-lo então. 

O amor é tímido, porém, é tão, tão evidente, que nunca se esforça para revelar sua aparência real, sua forma de "coisa". Só se mostra quando a tela é rasgada, o amor é o ultimo a se esvair, aguenta toda a dor do corte potencializando o sofrimento do cortado. O fogo tremeluzente que ilumina a loja perduraria um pouco mais, assim como uma chama de lamparina com pouco combustível. Então é isso que o amor é, a luz com a qual enxergamos e descobrimos as cores.

Nesse momento de êxtase policromático, o corte faz vazar os pigmentos, tudo se encaminha para a fissura, onde nem a tela, nem a tinta nem a lamparina existem mais, pelo menos não para o "eu", pois foram abandonados os supérfluos da existência consciente, entre eles esse "eu". Essas entidades abstratas são agora tão concretas e óbvias como uma tela, uma lata de tinta e uma lamparina. Passam a ter outra perceptibilidade para esse novo ser. 

E só então, nesse estado irremediável, é possível entender claramente que a vida, a arte e o amor foram coisas inventadas por outros homens, moldadas tão cuidadosamente com o tempo para parecer que sempre existiram.