Vencedor do Golden Orange International Film Competition Best Music Award e Audience Choice Award for Best Film in Moscow Film Festival Main Competition, em 2015, e ainda no Festival Internacional de Cinema Avanca (Portugal) e representante da Sérvia no Oscar de mesmo ano, em 2016, categoria de Melhor Filme Estrangeiro, "Enklava", do diretor e roteirista Goran Radovanovic, explora a situação de um enclave – território com distinções políticas dentro dos limites de um outro território – sérvio e os resquícios da Guerra de Kosovo, crise que eclodiu no final dos anos 90 com o intuito de conquistar sua independência e expulsar os sérvios da região.
Em meio a essas tensões, que vem como pano de fundo, Naned (Filip Subaric), um solitário garoto de 10 anos, que apenas queria ter um amigo para brincar, sofre, bem como sua família e um padre, com o ódio e o preconceito por ser sérvio em um local rodeado por uma comunidade albaneses mulçumana. Mesmo cinco anos após o fim do confronto, ainda precisa ir a escola, em que é o único aluno, num carro blindado do exército.
De vez em quando, ao longo do trajeto, Naned vê pela janela dois garotos albaneses da sua idade e um menino de 13 anos, Bashkim (Denis Muric), que guarda grande rancor pelos sérvios julgando-os culpados pela morte pai durante guerra, brincando. Embora a violência esteja presente na vida e no imaginário delas, é através das "brincadeiras lúdica-agressivas", que as personagens expressam e interagem com o meio que as cercam, criam e afirmam "o seu modo peculiar de ser e estar no mundo"*.
Segundo o filósofo, psicanalista e crítico de arte Roger Dadoun, no livro "A Violência: ensaio acerca do homo violens", existem "diversas formas de violência chocando-se e enlaçando-se umas às outras, provocam reciprocamente captação e inibição; de algum modo, toda violência funciona como uma forte resistência a outra violência que ela tende a fixar; as violências se consomem, uma dentro da outra, e o resultado, então, é uma violência desacelerada.
Certo dia, enquanto a comunidade albanesa celebra um casamento, Naned cruza as linhas inimigas para avisar o padre sobre a morte do seu avô, Mulitin (Meto Jovanovski), e, assim, mesmo diante das dificuldades, conseguir enterra-lo. O casamento e o funeral se cruzam como dois universos paralelos incapazes de dialogar, e, fatalmente, os caminhos Naned e Bashkim encontram-se.
É através do olhar do protagonista que acompanhamos a trama. A fotografia, assinada pelo alemão Axel Schneppat, e a trilha sonora, composta pelas das compositoras Eleni Karaindrou e Irena Popoviç, leva o espectador a uma maior imersão no filme, que é marcada por atuações surpreendentes e impactantes de Filip Subaric, bem como a de Denis Muric, em que ambos conseguem transmitir com naturalidade as aflições e transformações em consequência da guerra, denotando a perda da inocência.
Radovanovic retrata de forma dura, ao mesmo tempo sensível e pouco matizado da realidade dos sérvios em Kosovo, em que a relação dos dois garotos (Naned e Bashkim) são como um espelho da guerra.
* extraído do artigo "Brincadeiras lúdicas-agressivas: tensões e possibilidades no cotidiano na educação infantil", dos autores Raquel Firmino Magalhães Barbosa, Rodrigo Lema Del Rio Martins, André da Silva Mello, publicado na Revista Movimento da UFRGS.