“Borboletas Negras”: a cinebiografia da poetisa Ingrid Jonker

Através do olhar feminino, o longa-metragem “Black Butterflies” nos leva a conhecer uma das grandes escritoras sul-africanas, Ingrid Jonker (1933 – 1965), que tão bem traduziu a África, da qual impactando-me profundamente com sua belíssima e visceral poesia.

Convencional e poético, a cinebiografia dirigida pela holandesa Paula van der Oest, cineasta indicada ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2001 por “Zus & Zo”, centra-se entre as décadas de 50 e 60 da vida de Jonker, interpretada de forma primorosa e intensa pela atriz Carice van Houten (Game Of Thrones).

Marcada pela perda de duas figuras importantes, a mãe, Beatrice Cilliers, e sua avó, por quem foi criada, bem como sua irmã, Anna, a mais velha, vê suas vidas mudarem completamente de rumo. Sem ter para onde ir, foram obrigadas a deixar a cidade costeira de Gordon's Bay, onde viviam com liberdade, e são instaladas fora da casa principal do pai, Abraham Jonker (1905-1966), escritor, jornalista, político do Partido Nacional e responsável pelo departamento de censura do governo, interpretado pelo ator Rutger Hauer (Blade Runner), que na ocasião havia formado uma outra família.

Tratadas como seres inferiores, Anna e Ingrid, passam a experimentar uma vida completamente diferente, num ambiente repressor; e a rejeição de Abraham por Ingrid levavam a contantes embates. Mas, mesmo assim ela tentava agradá-lo na esperança de ser aceita.

Em 1956, casa-se com Pieter Venter e do relacionamento nasce uma menina, Simone, mas ambos acabam se divorciando. Com o termino, passa a ter relações sucessivas envolvendo-se com outros escritores do seu ciclo de amizades, igualmente complicadas, ao mesmo tempo tentava superar as dificuldades e sobreviver com a filha sem ajuda do pai, e, acima de tudo, dedicar-se à escrita.

Jonker conhece Jack Cope, um escritor mais velho com mesmos ideiais, logo passam a viver juntos. Novamente numa relação complexa engravida, mas acaba não levado adiante, abortando, algo considerado ilegal na Sul da África, na ocasião.

Devido sua vida tão conturbada, a rejeição do pai e por ser maníaca depressiva, a poeta sofre um colapso onde acaba sendo internada, em 1961, na mesma clínica psiquiátrica onde sua mãe morreu, tendo como tratamento o eletrochoque. Após ser retirada, Cope e o escritor Ulys Krige (Graham Clarke) ajudam-na a organizar e publicar seu livro. A obra causa grande impacto, mas desagrada os defensores do regime vigente –  o Apartheid (1948 e 1994), marcado pela violência –, principalmente o pai, um dos responsáveis pela manutenção do mesmo, que censura a obra no país e muito menos reconhece seu talento literário.

O poema político "The Dead Child of Nyanga", apresentado no filme, juntamente com outros mais pessoais, narrados em off, que entrelaçam a narrativa, bem como seu processo criativo, é um dos pontos marcantes. Ao testemunhar o assassinato de um garoto pelas mãos da própria polícia, Jonker expressa poeticamente em reação a um ato violência e o sofrimento dos negros na África do Sul, que lutavam por seus direitos.

The Dead Child of Nyanga

 

The child is not dead
The child lifts his fists against his mother
Who shouts Afrika shouts the breath
Of freedom and the veld
In the locations of the cordoned heart

The child lifts his fists against his father
in the march of the generations
who shouts Afrika shout the breath
of righteousness and blood
in the streets of his embattled pride

The child is not dead not at Langa nor at Nyanga
not at Orlando nor at Sharpeville
nor at the police station at Philippi
where he lies with a bullet through his brain

The child is the shadow of the soldiers
on guard with guns saracens and batons
the child is present at all meetings and legislations
the child peeps through the windows of houses and into the hearts of mothers
the child who just wanted to play in the sun at Nyanga is everywhere
the child who became a man treks through all of Afrika

the child who became a giant travels through the whole world
without a pass

Em julho de 1965, aos 31 anos, sua vida encerra-se de forma trágica, Ingrid Jonker suicida-se na praia de Three Anchor Bay, na cidade do Cabo. No discurso de inauguração do Parlamento democrata no país, em 1994, é lembrada pelo lider e ícone internacional sul-africano Nelson Mandela, um dos políticos mais atuantes contra a discriminação, ao qual tem seu poema "The Dead Child of Nyanga” lido.

Ancorado na genialidade e loucura de Ingrid Jonker, o filme apresenta algumas falhas em seu roteiro, também não ousa. A cineasta não deixa bem claro ao espectador esse pensamento libertário, o inconformismo e luta da escritora frente ao regime instauradado naquele período na África do Sul, não explora, fica na superficialidade, que é uma pena.

"Black Butterflies" é um retrato íntimo, sensível e tocante sobre a escritora; e quando a belíssima fotografia se encontrar com sua impactante poesia, as imagens transbordam.

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