"Sonho Pequeno", de Fernando Ribeiro, é um filme que iniciou com a proposta de um curta-metragem, mas ganhou outras proporções à medida que o diretor ia debruçando sobre o objeto retratado. O diretor leva o espectador a mergulhar na história que narra um trauma de família ocorrido há quase quarenta anos, em que a matriarca revisita, bem como alguns de seus filhos e familiares, esse passado que deixou muitas marcas.
O documentário atemporal incita a reflexões sobre as urgências cotidianas, mas de situações que ainda estão enraizadas em nossa cultura, como, o machismo, preconceito, a violência doméstica e contra a mulher, além do seu papel na sociedade. O diretor dá voz a essa mulher que há tantos anos foi apenas reprimida, nunca ouvida, empoderando-a.
Outro ponto que o filme assinala é sobre a importância da arte no processo do autoconhecimento e no resgate da autoestima, a qual contribui de forma profunda e regeneradora do ser humano. No caso de Maria Ceila, foi à música e a poesia que a sustentou nos enfrentamentos das adversidades que se apresentavam em seu caminho. Segundo a antropóloga Ruth Benedict, no livro “O Crisântemo e a espada”, a arte também “ têm o poder de humanizar a sociedade, de resgatar a autoestima e promover o exercício da cidadania”.
"Sonho Pequeno", que de pequeno não tem nada, é um projeto fílmico que, desde a primeira exibição teste, me deixou muito emocionada, coração apertado, sem palavras, pela intensidade e, ao mesmo tempo, com um distanciamento necessário para retratar esse trauma familiar.
É um filme que continua mesmo após os créditos finais, é como se levássemos um chacoalhão. Uma situação que pode estar mais perto do que imaginamos, dentro da nossa própria família, no vizinho, de algum amigo, conhecido, mas está ali, é uma dor que lateja, não só como pessoal, mas uma sociedade ainda doente.
O diretor nos coloca diante de uma realidade através de um olhar tão particular que nos arranha. Cria-se uma proximidade das personagens com os espectadores, cada qual pode ou não se identificar com algum ponto específico, independente qual lado seja. Mas uma coisa é certa, não tem como ficar ileso diante do que vemos.
Ainda em desenvolvimento, o documentário “Sonho Pequeno” é projeto autoral, poético e sensível, que a cada camada inserida, o diretor realiza exibições há grupos diversos, ao qual vai construindo, nesse processo, algo mais dinâmico e tendo um feedback e impressões geradas no público, que tem sido enriquecedora, não só para o filme em si, mas ao próprio realizador e o público que assiste. Veja o trailer aqui.
Abaixo, segue o poema "Coragem da Vida", do escritor e jornalista Armando Neto, em homenagem a protagonista Maria Ceila e família, ao documentário "Sonho Pequeno, que tanto nos toca.
Coragem da vida
Pede passagem a coragem da vida
Envolta em armadilhas viris
Cruéis destemperanças
Pulso do impulso motriz
Lírica do amor criança
Pede passagem a força da família
Laços entrecortados
Abraços adiados
Passos desviados ao alvorecer
Soluços na memória
Lágrimas irmãs do presente renascer
Pede passagem a vertigem poesia
Liberta na essência
Na luz intrínseca ao movimento
Desafia o tempo
Desfaz armaduras
Repele o refém sofrimento
Pede passagem a mulher sinfonia
Solo diário em completude
Moldura exposta em versos
Calmaria do caminhar inquieto
Notas inconsciente
Canções do despertar eterno
Armando Neto

Erica Ribeiro
Comunicóloga, escritora, cineasta e também jardineira. É cofundadora do Coletivo Pausa, cofundadora/editora-chefe do EntreLinha, uma cinéfila incorrigível, amante das artes e da literatura.