O documentário “A Barca do Sol”, dirigido pelo cineasta Leon Hirszman, em parceria com a renomada a renomada psicanalista junguiana Nise da Silveira (1905-1999), é o terceiro filme da trilogia “Imagens do Inconsciente”, baseado no livro de mesmo título de Nise.
“A Barca do Sol” aborda sobre o caso do paciente Carlos Pertuis, que após a morte do pai se viu diante de uma grande responsabilidade: assumir a casa, o homem da família. O jovem Pertuis, há anos, vinha sofrendo conflitos pessoais. Conflitos esses que sugavam suas energias interiores, dando sinais de oscilação.
Certa manhã, em seu quarto, os raios de sol que incidiram sobre um espelho ocasionou um brilho extraordinário. Neste momento, Carlos teve uma visão cósmica, em que viu diante de seus olhos o que denominou de “Planetário de Deus”. Maravilhado com que viu, saiu gritando para que todos da família também pudessem vislumbrar. Ele havia tido um surto psicótico, sendo internado no mesmo dia no velho hospital da Praia Vermelha, em 1939, aos 29 anos, na qual passou o resto de sua vida.
Narrado pela atriz e locutora de rádio da época, Vanda Lacerda, encarnando a psicanalista, conduz o espectador em sua narrativa bem articulada e didática ao longo do documentário. Diferente de “No Reino das Mães” e “Em Busca do Cotidiano”, “A Barca do Sol” apresenta uma estética particular, em que é dividido em blocos, inaugurando, assim, uma pedagogia da imagem.
As pinturas e os desenhos de Carlos Pertuis, produzidos entre 1946 e 1977, destacam-se pelo seu domínio das formas geométricas, emprego das cores e riqueza de imagens expressas em seus trabalhos. No caso da série “Seres Fantásticos”, por exemplo, aparecem imagens híbridas, compostas por corpos humanos, de animais e elementos celestes que se misturam.
Para o crítico de arte Mario Pedrosa (1900 – 1981), os trabalhos artísticos de Carlos Pertuis apresentam “contornos precisos, das formas límpidas, bem marcadas, em que o modelado é quase nenhum e o estilo é dado pelo jogo dos contrastes e as exigências de ordem simétrica. Nele o objetivo e o subjetivo tendem a unir-se sob uma organização arquitetônica dominadora. Dentro desta, as formas objetivas ou concretas, quando permanecem intactas, são dobradas a serviço da ordem, de um propósito ideal inconsciente do artista. É que ele tem uma visão de conjunto geralmente nítida, fora do tempo e sem qualquer ligação com o tempo.”
A mandala, arquétipo da divindade, que representa Deus e a unidade, a totalidade, aparece em muitas de suas pinturas. Segundo o psicanalista Carl Gustav Jung, a mandala simboliza o princípio ordenador. Tudo se move ao redor de um centro, além de marcar a etapa evolutiva do processo de individuação, tornar-se um ser único.
As neuroses desenvolvem mecanismos de defesa. Os conflitos fazem com que há um impedimento dessa defesa – enfrentamento da vida. Quando ocorre algum obstáculo na evolução do processo de individuação, o indivíduo deixa de ver a realidade. Nesse momento, ocorrem as manifestações arquetípicas.
Dado momento, nota-se que surgem nas artes de Carlos a imagem do sol – sua relação com o Mitraísmo (culto ao deus do Sol), que coexistiu com o cristianismo primitivo -, o vento (que designa o espírito) e falos. Em sua pintura, o sol denotava a consciência, ou seja, sua busca pela luz; mas, na ocasião, sua consciência encontrava-se bem fragilizada. Durante as filmagens do documentário, Carlos Pertuis desmaterializa-se enquanto pessoa e vem a falecer em 1977.
O documentário em questão busca mostrar ao espectador essa conexão de Carlos com o mundo real e “como seu inconsciente refletia-se e articulava sua experiência com o mundo das formas. A realidade para ele seria algo pontual”. Suas obras, cerca de 21.500 trabalhos artísticos entre desenhos a gravuras, podem ser vistos no Museu da Imagem do Inconsciente, no Rio de Janeiro, fundado pela Dra. Nise da Silveira.